quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Incapacidade crítica e "The Finale"

Estive observando no site do IMDb a página sobre Seinfeld, e discordei fortemente de quão mal colocado estava o último episódio na lista. E isso me levou a seguir uma série de raciocínios que achei pertinentes de se colocar aqui.


Ok, o final da série em si é esquisito, mas o episódio (duplo, diga-se de passagem) traz tudo que a conclusão devia trazer: os personagens marcantes que fizeram participações pontuais, refer~encias a outros momentos (algumas, inclusive, bem sutis, como a última conversa entre o George e o Jerry).
Apesar disso, os usuários do IMDb consideram o episódio um dos piores, acima apenas de 10 outros (inclusindo 4 dos 5 da primeira temporada, também injustamente) dos 180 de toda a série.

Olhando outra sitcom, digamos, Friends, a primeira coisa que se vê é o último episódio disparadamente na frente. Eu já vi Friends (não inteiro, imagino), e sei que tem vários melhores que o series finale. O mesmo acontece com diversos outros seriados (de comédia, ao menos, visto que eu os conheço): pegam os episódios mais dramáticos ou com maior fator de nostalgia para serem considerados os melhores. Também acontece isso com outras que gosto bastante, como Scrubs.

Observando isso e comparando a recepção de "The Finale" (último episódio de Seinfeld) com a de outros series finales, percebo que ao olhar a comédia, as pessoas não querem necessariamente ver algo engraçado. Elas querem ver uma história (boa ou não, não entremos no mérito) concluída do jeito que elas acham melhor, e isso explica briguinhas como Seinfeld vs Friends, quando obviamente, falando de comédia por comédia, a primeira é infinitamente superior.

Falando especificamente de Seinfeld, não creio que muitos fãs considerem a dificuldade extrema de se gerar o final de um "programa sobre nada". Não havia uma história se desenvolvendo por 9 anos para ser concluída naqueles episódios, não havia arcos, não havia nenhum conflito além de coisas cotidianas. Larry David então colocou um fim de uma maneira que mudava completamente a forma que vinha seguindo: todos os protagonistas se dão mal. Mas isso não quer dizer que era um final triste, afinal no fim das contas, eles continuam conversando besteiras, coisas pequenas e cotidianas como faziam antes de tudo dar errado (estou tentando evitar descrever muito mais que isso porque, por mais que eu ache o pavor de "spoilers" ridículo, há quem o tenha).

Larry David estava conseguindo evitar isso muito bem depois com Curb your Enthusiasm, seu show pós-Seinfeld da HBO. As 8 primeiras temporadas de Curb não têm arcos ou coisa assim e com seus religiosos 10 episódios por temporada, a comédia está sendo feita pela comédia, porque ele tem a liberdade de não ter que seguir tantas regras como em Seinfeld, como limitar as palavras usadas (limite que fez Seinfeld se destacar, muitas vezes, por tratar temas como masturbação sem dizer sequer a palavra "masturbação" nos episódios). E uma dessas regras que não precisa seguir é a de fazer mudanças para aumentar o apelo popular de Curb.
Fazendo piadas de cristãos, judeus, cadeirantes, cegos, surdos-mudos, negros e neonazistas, Curb your Enthusiasm não teve nas 8 temporadas até agora lançadas um compromisso com "terminar". Inclusive na entrevista que coloquei no post sobre o sucesso de Larry David, ele disse que não tinha planos para fazer uma nona temporada de Curb your Enthusiasm, mas hoje já é confirmado que haverá uma nona temporada.

Outra observação feita é que o formato de "seriado" é o único motivo para o telespectador médio acompanhar algo, e assim muito conteúdo ruim é consumido.

Bem, é isso.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Lírio, alecrim e o valete de copas

Eu já disse em um dos meus textos sobre o Nobel de Bob Dylan que a música "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts" podia ser vista como uma peça de teatro. A música é quase dividida em atos, e são todos bem delimitáveis, não é difícil ver o que estou falando.

Estive pensando recentemente sobre como seria tal peça, e considerando até escrever uma, não que eu realmente vá fazer ou não vá fazer isso. Ora, apesar de eu tentar implantar uma frequência nas publicações deste blog, posto quase sempre sem nenhuma ordem, já é de se esperar.

Mas voltando à canção: por que uma peça?
Vamos aos personagens. Lily poderia ser uma protagonista. A mocinha não é ingênua, mas tem sua classe e é querida por ser muito bonita e por ser uma boa pessoa. Possivelmente sua ingenuidade venha de "broken home" e "strange affairs" que Dylan menciona, vindo de seu passado. Ela tem sua experiência de vida. Podemos afirmar que ela é bonita porque todos os homens vão atrás dela. Trabalha num cabaré fazendo performances de peças e acaba se envolvendo com um homem misterioso, possivelmente um bandido, Jack of Hearts. Lily se apaixona por Jack of Hearts por ele ser diferente de qualquer outro que ela já tinha visto, afinal "she never met anyone quite like the Jack of Hearts".
O nosso Valete de Copas é um gênio charmoso, de certa forma como Erik d'O Fantasma da Ópera de Gaston Leroux. Ele é também capaz de deixar todos os guardas de um aparentemente esnobe Big Jim (que suponho ser "the king") desacordados, ou no mínimo derrotados. Ele é um homem provavelmente mais velho, imagino, por ter se deitado com um número de mulheres grande o suficiente para Lily ser "apenas mais uma".
Big Jim é o personagem chave da canção, mas eu gostaria de falar ao mesmo tempo dele e de Rosemary. Rosemary aparece como uma mulher próxima de um desconfiado Big Jim, se desculpando e o chamando de "darling". Rosemary não deve ser nenhuma garotinha nova, porque depende totalmente de acessórios para ter apelo sensual ou atrativo, como cílios falsos. Pessoalmente, sempre a vi como uma espécie de cafetina, não consigo imaginar um cabaré sem um cafetão ou uma cafetina. Considerando também que Big Jim a carrega para todos os cantos ao ponto dela não aguentar mais isso, é realmente possível. O rei está desconfiado, como falei antes, do novo personagem no cenário, Jack of Hearts, porque ele reconhece o rosto do sujeito, possivelmente do México, numa foto em uma prateleira de algum lugar (uma das coisas que sugerem que o Valete seja um fora-da-lei, o que depois seria ainda mais claro).
A ação da música está no revólver atirando no cabaré e o assassinato de Big Jim por facadas nas costas, e vários personagens podem ser vistos como culpados.
Descobrimos que o Valete faz parte de um grupo de homens que roubam um banco e mostravam lealdade a ele, afinal "they couldn't go no further without the Jack of Hearts". Como Big Jim havia suspeitas dele, e misteriosamente é assassinado, é um ponto forte para o Valete ser o assassino. O Valete estava no cabaré enquanto seus homens roubavam o banco. Não se sabe também quem atirou com o revólver, mas possivelmente também tenha sido ele, considerando o que foi dito.
Mas Rosemary já estava aborrecida com o ricaço, e estrofes antes estava nervosa, olhando para uma faca (e não, não era para cantar Matadouro das Almas de Rogério Skylab). Ponto para ela.
E a doce Lily menos claramente estava também irritada com Big Jim. Em um estrofe que não foi para a versão do álbum Blood on the Tracks, há um verso que diz "She forgot all about the man she couldn't stand who hounded her so much", e não há ninguém que não Big Jim que se encaixe nisso. Talvez minha visão de Rosemary como uma cafetina acabe com a Lily sendo uma de suas mulheres, o que também daria certo com o verso do estrofe sobre Lily "She'd come from a broken home and had lots of strange affairs/ With men in every walk of life which took her everywhere".
Rosemary, já irritada com Big Jim, e mostrava tensão, como Dylan diz em "Rosemary right beside him, steady in her eyes".
E de maneira realista o final é com Jack of Hearts aparentemente sendo fiel aos seus homens e fugindo com os bandidos, visto que ele é o único que some depois do assassinato de Big Jim (o que também pode ser visto como um ponto a favor dele ter sido o assassino). Rosemary está ainda mais tensa ("she didn't even blink"), possivelmente por sua personalidade ou por ter cometido o crime. O cabaré é fechado, e Lily termina a canção pensando sobre a vida, sobre o comportamento de Rosemary, sobre sua família e especialmente sobre o Valete de Copas.

O final é quase como o final de Capitu. Não sabemos quem foi o responsável pelo assassinato, mas sabemos que todas as vidas ali foram afetadas fortemente (exceto, talvez, a de Jack of Hearts).
Apesar de ser um texto relativamente longo para uma única música, ainda creio que "Lily, Rosemary and the Jack of Hearts" tem muito a ser explorado ou, no mínimo, filosofado, podendo até ser transformada em peça em um cenário como os dos melhores faroestes estilo Clint Eastwood (que, surpreendentemente, ainda não foi tema de um texto aqui).

Bem, é isso.